quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Uma criança com a cabeça pousada no ombro da sua mãe


            Uma criança com a cabeça pousada no ombro de sua mãe. Era como me sentia nesse local. Era como me sentia: extremamente dependente, como um ser eternamente sedento de um pilar onde se apoiar.

            Por essa razão me tornei inútil: por nesse decrépito hospital me assumir incapacitado de viver sem auxílio, apenas por um súbito sintoma se revelar no meu corpo e nele indiciar a mais dolorosa doença, capaz de travar todo o percurso da vida: o cancro.

            Porquê?

            Relembro ainda o momento em que chegaste ao quarto onde me situava, abrindo a porta vagarosamente, como se um medo obscuro percorresse as entranhas do teu sangue por cumprires novamente a promessa de seres minha fiel companheira em tudo. Mas tu não merecias isso. Não merecias viver isto comigo.

            E eu não te mereci. Não mereci a tua coragem de te moveres sobre o meu corpo, tentando sentir a mais intensa das loucuras do amor, tomando-o como a resolução do nosso pacto, pois já não existe. Não mereci o aconchego que deste ao meu insano coração, aquando tive que compreender que a morte inevitavelmente chegaria. E sei que apenas o fizeste, porque possuías a eterna fragrância da compaixão.

            Porque foste a única que, encarnando o distinto papel materno, me aceitou como pobre infante incapaz de ser independente, porque foste aquela que incansavelmente me auxiliou e esteve  sempre presente no meu caminho. Como esposa que (me) és.

            E, porque o cancro me tornou indigno do teu suor, tornando-te parte de mim, eliminou a tua existência real neste mundo, deixando-te somente os destroços trágicos da tua perfeição e a ambição de novo possuíres o teu interior mundo, a tua vida imensamente bela... Ainda discretas lágrimas se permitem expelir impiedosamente, quando reflito na tristeza com que de tudo abdicaste, para me poder apresentar como parte do teu ser.

            E, finalmente, o dia em que a tua vida se desconectou da minha, através da Morte, através da paragem fatal do bater do coração, impôs-se suave e dolorosamente nesse espaço de tempo: os teus olhos aterradoramente cerrados, os nossos corações aceleraram-se inconscientemente: Uma tensão estranha, talvez por ambos nos apercebermos da morte que estava prestes a chegar e a cobrir-me o coração, pelas últimas palavras que se permitiram ainda expressar por esse suspiro mortal: "Perdoa-me, pelo cancro, que te privou da vida. Minha outra mãe".

            Um último beijo teu tocou na minha face. Amo-te.

 

 Ricardo Guerra   6ºB
 
Campeonato Nacional de Escrita Criativa

                                                                                                                               

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