Uma criança com a cabeça pousada no ombro
de sua mãe. Era como me
sentia nesse local. Era como me sentia: extremamente dependente, como um ser
eternamente sedento de um pilar onde se apoiar.
Por
essa razão me tornei inútil: por nesse decrépito hospital me
assumir incapacitado de viver sem auxílio,
apenas por um súbito sintoma se
revelar no meu corpo e nele indiciar a mais dolorosa doença, capaz de travar
todo o percurso da vida: o cancro.
Porquê?
Relembro
ainda o momento em que
chegaste ao quarto onde me situava, abrindo a porta vagarosamente, como se um
medo obscuro percorresse as entranhas do teu sangue por cumprires novamente a
promessa de seres minha fiel companheira em tudo. Mas tu não merecias isso. Não merecias viver
isto comigo.
E
eu não te mereci. Não mereci a tua
coragem de te moveres sobre o meu corpo, tentando sentir a mais intensa das
loucuras do amor, tomando-o como a resolução
do nosso pacto, pois já não existe. Não mereci o
aconchego que deste ao meu insano coração,
aquando tive que compreender que a morte inevitavelmente chegaria. E sei que
apenas o fizeste, porque possuías a eterna fragrância da compaixão.
Porque foste a única que,
encarnando o distinto papel materno, me aceitou como pobre infante incapaz de
ser independente, porque foste aquela que incansavelmente me auxiliou e
esteve sempre presente no meu caminho.
Como esposa que (me) és.
E,
porque
o cancro me tornou indigno do teu suor, tornando-te parte de mim, eliminou a
tua existência
real neste mundo, deixando-te somente os destroços trágicos da tua perfeição e a ambição de novo possuíres o teu interior
mundo, a tua vida imensamente bela... Ainda discretas lágrimas se permitem
expelir impiedosamente, quando reflito na tristeza com que de tudo abdicaste,
para me poder apresentar como parte do teu ser.
E,
finalmente, o dia em que a tua vida se desconectou da minha, através da Morte, através da paragem fatal
do bater do coração, impôs-se suave e
dolorosamente nesse espaço de tempo: os teus
olhos aterradoramente cerrados, os nossos corações aceleraram-se inconscientemente:
Uma tensão estranha, talvez
por ambos nos apercebermos da morte que estava prestes a chegar e a cobrir-me o
coração, pelas últimas palavras que
se permitiram ainda expressar por esse suspiro mortal: "Perdoa-me, pelo cancro,
que te privou da vida. Minha outra mãe".
Um
último beijo teu
tocou na minha face. Amo-te.
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