quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Um homem, descalço, caminha ao longo de 20 km, numa estrada de terra


            A decisão suprema sucedera-se nessa triste noite: o nevoeiro, tão cerrado, impusera-se dolorosamente perante a incansável realidade, um sepulcral silêncio eliminara o som da translúcida chuva, no seu desaparecimento pelo contacto com o solo, e, um frio imenso enregelara as almas de tantos humanos loucos.

            Naquele lugar, na impetuosa habitação em que me abandonaste, refém da solidão, apenas o brilho dos textos que a tua mão redigira, sobrevivia à escuridão, protegidos no interior da escrivaninha; somente a tua bela escrita, os sentimentos que revelavas naqueles papéis e o carinho que lhes outorgavas pela beleza de um sorriso, corajosamente resistia, assumindo-se, assim, o meu único consolo.

            Quem me dera, que também o teu ser tivesse resistido à morte, à escuridão do esquecimento

            Porquê, após a imortalidade que julgámos criar no nosso amor? Porquê, após tanto que vivemos unidos, tantas experiências que partilhámos? Porquê, após tudo?

            Porque são tão frágeis os corpos?

            Relembro tristemente esse momento em que te raptaram da vida, pela morte, e a maior crueldade entre namorados aconteceu: a Cólera preencheu o meu ser e, através do corpo, permitiu que queimasse tudo o que te era de valor: as fotografias, as caixas cerradas, protegendo tudo o que de nosso tomamos em viagens por todo o mundo - aquilo que fazia parte do nosso nós.

            Por essa razão, entre lágrimas, ganhei a coragem necessária para que acontecesse - sim, aquela noite era perfeita para morrer e, assim te reencontrar.

            Saí, então, de casa. Abandonei tudo e dirigi-me ao local que tão bem conhecia: como bagagem, apenas aquele Livro, a Paixão e os pés descalços, com os quais ultrapassei o medo; cada passo que criava na terra lamacenta desse dia, ultrapassava a dor da chuva na sua eternal morte, a minha pele ensanguentada, mostrava a dor, por tão fortemente (jamais 'erradamente') te querer. O vento soprava fortemente pelo meu cabelo, o granizo penetrava-me no corpo.

            Finalmente, os meus vagarosos passos, me conduziram ao lugar que pretendia alcançar - uma pequena gruta, a mais de vinte quilómetros da, ainda nossa, maravilhosa casa - onde entrei e, perante suas rochosas paredes revelei, sem pudor, meu corpo nu, esperando que o Final chegasse.

            Passadas horas, finalmente faleci, deixando somente, o Livro, aberto, revelando a frase: Um homem puro, caminha por uma gélida estrada de terra, acreditando que, do seu corpo, brotará alguém que há muito desaparecera do seu interior.

 

            Amo-te.



Ricardo Guerra   6ºB

Campeonato Nacional de Escrita Criativa
 
 

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