A
decisão suprema
sucedera-se nessa triste noite: o nevoeiro, tão cerrado, impusera-se dolorosamente
perante a incansável realidade, um
sepulcral silêncio
eliminara o som da translúcida chuva, no seu
desaparecimento pelo contacto com o solo, e, um frio imenso enregelara as almas
de tantos humanos loucos.
Naquele lugar, na
impetuosa habitação em que me
abandonaste, refém da solidão, apenas o brilho
dos textos que a tua mão redigira,
sobrevivia
à escuridão, protegidos no
interior da escrivaninha; somente a tua bela escrita, os sentimentos que
revelavas naqueles papéis e o carinho que
lhes outorgavas pela beleza de um sorriso, corajosamente resistia,
assumindo-se, assim, o meu único consolo.
Quem me dera, que também o teu ser tivesse
resistido
à morte, à escuridão do esquecimento…
Porquê, após a imortalidade
que julgámos criar no nosso
amor? Porquê, após tanto que vivemos
unidos, tantas experiências que partilhámos? Porquê, após tudo?
Porque são tão frágeis os corpos?
Relembro
tristemente esse momento em que te raptaram da vida, pela morte, e a maior
crueldade entre namorados aconteceu: a Cólera
preencheu o meu ser e, através do corpo,
permitiu que queimasse tudo o que te era de valor: as fotografias, as caixas
cerradas, protegendo tudo o que de nosso tomamos em viagens por todo o mundo -
aquilo que fazia parte do nosso nós.
Por essa razão, entre lágrimas, ganhei a
coragem necessária para que
acontecesse - sim, aquela noite era perfeita para morrer e, assim te
reencontrar.
Saí, então, de casa. Abandonei
tudo e dirigi-me ao local que tão bem conhecia:
como bagagem, apenas aquele Livro, a Paixão
e os pés descalços, com os quais
ultrapassei o medo; cada passo que criava na terra lamacenta desse dia,
ultrapassava a dor da chuva na sua eternal morte, a minha pele ensanguentada,
mostrava a dor, por tão fortemente
(jamais 'erradamente') te querer. O vento soprava fortemente pelo meu cabelo, o
granizo penetrava-me no corpo.
Finalmente,
os meus vagarosos passos, me conduziram ao lugar que pretendia alcançar - uma pequena
gruta, a mais de vinte quilómetros da, ainda
nossa, maravilhosa casa - onde entrei e, perante suas rochosas paredes revelei,
sem pudor, meu corpo nu, esperando que o Final chegasse.
Passadas horas,
finalmente faleci, deixando somente, o Livro, aberto, revelando a frase: Um
homem puro, caminha por uma gélida estrada de
terra, acreditando que, do seu corpo, brotará alguém que há muito desaparecera
do seu interior.
Amo-te.
Ricardo Guerra 6ºB
Campeonato Nacional de Escrita Criativa
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