domingo, 24 de novembro de 2013

Um Zero à Esquerda

   Olá!

   Eu sou o Zero à Esquerda (e, por favor, poupem os risinhos). Sou aluno da Faculdade Numeral Intelectual e sou muito famoso. Tenho, aliás, muitas alcunhas. Devido à minha forma, alguns chamam-me de “gordo”, outros de “balofo” e ainda outros nomes que não vou mencionar. Afinal, isto vai ser lido por crianças. Eu próprio, o Zero, estou presente na minha vida imensas vezes: costumo ter 0 euros e 0 cêntimos na carteira; já tenho carro que anda a 0Km/h, e tem 0 mudanças; tenho 0 amigos; tiro 0 a todas as disciplinas e “zeroalmente” não sou escolhido para jogar numberball.  

   Continuando, lá na minha escola, há uma rapariga, a menina Seven, que é admirada por todos os rapazes só por ser britânica. Eu próprio já tentei a minha sorte. Uma vez, empurrei-a para o lado impedindo que uma bola de futebol lhe acertasse em cheio. Ela disse-me que queria dar-me uma prova do seu “afeto”. Ao fim, uma grande estalada foi o que eu levei. Pelos vistos, ela estava a jogar com alguns rapazes e era guarda-redes.

   Outro grande desastre foi quando tentei ser amigo do menino Cinco. Ele adorava química, por isso, sentei-me ao lado dele nesta aula. Nesse dia, demos as reações químicas e tínhamos de misturar dois elementos. Eu escolhi nuclónio (explosivo) e oxigénio. Como achei que havia mais oxigénio lá fora, abri a janela. Mas deixei  cair o frasco de nuclónio e…bom, um ano depois, a escola ainda está em obras.

   Os meus colegas, por vezes, também me chamam “canibal” por ser o elemento absorvente da multiplicação. Isto é, quando algum número se multiplica por mim, eu como esse número. Por isso, decidi ir trabalhar para o Pacman. Mas aquelas lulas que eu tinha de comer quase não eram comestíveis. Um dia, estava tão enjoado que, cada vez que comia uma, largava outra. Os jogadores do Pacman começaram a resmungar e eu demiti-me.

   E, para que saibam, nunca acabei o meu curso. Para sair da Faculdade, tive de esperar pelas férias de Carnaval e, no último dia de aulas, durante a festa, esgueirei-me lá para fora e entrei numa camioneta, mas quase desfaleci ao ver que uma letra (das quais somos inimigos) estava a conduzir. Afinal, era o senhor nove e aquilo era apenas o seu disfarce.

   Como referi anteriormente, graças a essa camioneta, fugi para o Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa !!!

   Aqui passei os mais belos anos da minha vida e agora com trinta e cinco anos, trabalho como provador profissional de comida. Por causa da crise da carne de cavalo, estou sempre a trabalhar.

   Não sou casado e nem sequer tenho uma coleção de gatos como aquelas solteironas de 40 anos. Nem mesmo cães. Ou periquitos. Até mesmo as tartarugas, como que por magia, ganham velocidade só para fugir de mim. A única pessoa que vive comigo é a minha querida e velhinha avó, que é vesga, e não sabe se eu estou em casa. Mas sempre que o carteiro Compasso diz ”Entrega para Zero à Esquerda”, a minha avó grita “O Zero à Esquerda está em casa? Socorro!”, desata a correr desnorteadamente e bate contra uma parede. E lá tive eu, que não percebo nada do assunto, de entrar em ação. Escusado será dizer que “foi pior a emenda que o soneto” pois consegui furar a canalização do condomínio. No meio desta inundação, só ouvia a minha avó enfiada dentro de uma boia a gritar “Desliga a água! Já tomei banho, hoje! Glu! Glu! Glu!” e não conseguia encontrar o meu “telenúmeros” para ligar à senhora Calculadora, a canalizadora, assim denominada porque cobrava tanto pelos arranjos que era necessário uma calculadora para fazer as contas.

   Lembro-me perfeitamente daquela sexta-feira, em que cheguei à garagem e vi que me tinham assaltado o carro. Não tinha rodas e o volante era agora de uma bicicleta. Não tinha para-choques nem motor. Tive de roubar um porco e uma passadeira rolante ao meu vizinho, meti ambos dentro do carro, fechei o capô e foi assim que fui para o trabalho.

   E, no dia seguinte, quando fui ao Sea Life, um polvo entrou para as minhas calças e eu comecei a pular e a guinchar. Foi tão bom o meu espetáculo que, ao fim de algum tempo, já tinha bailarinos famosos a perguntar-me se lhes podia ensinar aqueles passos.

   Também me lembro daquela vez em que tentei seguir o carteiro Compasso quando levava as cartas ao Pai Natal. Não consegui apanhar o mesmo avião que ele, por isso apanhei outro sem ver para onde me levava. Por azar, fui parar ao Polo Sul, Antártida, terra dos elegantes pinguins. Toda a gente sabe que o Pai Natal vive no Polo Norte, Ártico, terra das acolchoadas focas.

   Outra vez, ganhei um diploma científico que comprova que eu descobri que “um corpo dentro de água molha-se”. O que se pode ganhar nos Corn Flakes!!! Apresentei-me dois dias depois no trabalho e como os outros cientistas me achavam licenciado, fui imediatamente aceite. Mais uma vez, entrei em contacto com nuclónio. Estava muitíssimo nervoso mas, por sorte, consegui evitar que este caísse num esgoto ligado ao oceano (entre outros desastres). Pareceu-me mesmo que o dia ia chegar ao fim sem que nada explodisse. Mas devido à alergia, de um outro cientista, em relação ao pólen, este espirrou e derrubou o frasco de nuclónio de que me tinha esquecido no laboratório…e PUM! Eu começo a pensar que a única coisa para que tenho jeito é detonador de bombas.

   E daquela vez que fiquei sonâmbulo e tentei assaltar a Joalharia Transferidor, onde até barras de ouro havia. Pedi ao meu primo Um que me ajudasse e, quando lá chegamos, usei-o como pé-de-cabra como abrir a porta. Roubei o diamante da simetria, os brincos quadrangulares, o colar das potências, as barras de ouro fracionárias e as réguas de prata, entre outros objetos valiosíssimos. Meti, rapidamente, tudo dentro de um saco, mas não reparei que estava roto. Quando cheguei a casa, já não trazia nada. A boa notícia é que deixou de haver sem-abrigo num distrito inteiro.

   Algum tempo mais tarde, vim a saber que ”alguém” tinha assaltado a Joalharia Transferidor. A polícia estava tão aflita que até a mim me contratou. Desde então, comecei a multar toda a gente. Mas eles mereciam. Havia condutores que circulavam a 50,001Km/h numa zona onde só era permitido 50Km/h. Também tentava multar pilotos de aviões que voavam demasiado perto do chão, mas nunca os apanhava. E era um recordista a bloquear carros. Para além do tradicional bloqueador, colocava ainda um cadeado e prendia os carros ao chão com supercola 3. Enfim, fui despedido. Parece que, sem querer, multei o chefe da polícia por estar a comer donuts nas horas vagas.

   E, nem quero pensar naquela vez em que me fingi de astronauta para poder explorar uma das trinta e não sei quantas luas de Saturno – a Lua do Volume. Só quando aterrei no espaço lunar é que descobri que tínhamos de medir a latitude e a longitude e de encontrar o dobro do perímetro de algumas crateras. Lembrei-me logo da senhora Calculadora, a minha canalizadora. Senti imensas saudades daquela infalível máquina de calcular que ela trazia sempre no bolso.

   Aproveito para revelar que sempre quis ter um animal de estimação, mas o máximo que consegui foi ser tratador do Jardim Zoológico. É claro que não era nenhum perito (como em nada do que fiz até ao momento !!!), por isso trocava tudo: dava amendoins aos leões e gazela grelhada no forno aos elefantes; na Quintinha, tentava tosquiar os porcos e fazer fiambre das ovelhas; tentava insistentemente lavar os dentes aos papagaios e com uma grua, atirava os hipopótamos ao ar para os ensinar a voar. Por fim, acabei por ser despedido ao afugentar os visitantes com os meus estridentes gritos: tinha caído na jaula dos ursos e a cria estava a fazer-me cócegas.


   Agora que já sou mais velho, sou zilionário (tenho ziliões de euros). Como consegui? Escrevi a minha autobiografia, vendia-a…e surpreendentemente, continuo a estar presente na minha vida, mas passei a ser um Zero à Direita.

Nuno Pinto e Inês Pacheco   6ºB

(Trabalho premiado com uma Menção Honrosa no concurso "Um conto que contas" da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) - março 2013)

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